quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

RELIGIÃO E RELIGIOSIDADE

No mundo moderno, muito se discute sobre religião. Entretanto, pouco se fala sobre religiosidade, que é a prática da religião. Ter uma religião é pertencer a um determinado grupo dirigido, na maioria das vezes, por uma minoria que dita as regras e estabelece os parâmetros do certo e do errado.

À medida que os seres humanos crescem na disciplina, no amor e na experiência de vida, sua compreensão do mundo e do seu lugar nele naturalmente crescem no mesmo ritmo. As pessoas que deixam de crescer nessas qualidades, por sua vez, não evoluem no conhecimento. Consequentemente, entre os membros da raça humana existe uma grande variedade e sofisticação do entendimento do significado da vida. Vários fatores contribuem, positiva ou negativamente, para esse entendimento.

A esse entendimento poderíamos chamar de religião. Assim sendo, todos nós, por menor que seja o nosso entendimento de mundo, pertencemos a uma religião. Esse fato, pouco conhecido, é da maior importância: todo mundo tem uma religião.

Em minha opinião, nós sofremos de uma tendência a definir a religião de maneira limitada demais. Somos inclinados a pensar que a religião deve incluir uma crença em Deus, ou alguma prática ritual, ou, ainda, a participação num grupo de adoradores. Costumamos dizer que quem não frequenta uma igreja nem acredita num ser superior “não é religioso”. Costumamos ver a religião como alguma coisa monolítica e uniforme; com esse conceito simplista, não entendemos como duas pessoas muito diferentes podem, ambas, se considerar cristãs ou judias. Ou como um ateu pode ter um senso de moralidade cristã mais desenvolvido que um religioso que frequenta sua igreja diariamente.

À medida que ampliamos nossa visão de mundo, necessitamos também de sair da religião passiva e fazer parte de uma religião ativa: religiosidade. O fato é que todo mundo possui um conjunto de crenças e ideias, implícitas ou não, sobre a natureza essencial do mundo.

Tenho como hábito perguntar aos meus pacientes, na primeira consulta, qual a religião deles. Não que eu discrimine alguma; mas afirmo que a religião tem grande influência na nossa maneira de ser e estar no mundo. E mais cedo ou mais tarde o terapeuta vai reconhecer qual é a visão de mundo do paciente. Contudo, se o terapeuta procurá-la desde o início, a encontrará mais cedo. E esse conhecimento é essencial para o terapeuta, porque a visão de mundo dos pacientes é sempre uma parte essencial dos seus problemas – e é preciso “corrigi-la” para “curá-los”. Digo aos psicoterapêutas: “Descubram a religião dos seus pacientes mesmo se disserem que não têm nenhuma”.

Geralmente a religião ou visão de mundo de uma pessoa é, na melhor das hipóteses, apenas parcialmente consciente. Os pacientes costumam não perceber como vêem o mundo, e, às vezes, podem até pensar que possuem certo tipo de religião, quando na verdade são possuídos por outra muito diferente. Verdadeiramente, é através da visão de mundo que determinamos nossa religiosidade, e não através da religião que teremos uma visão de mundo.

Podemos afirmar que a religião não salva ninguém; portanto, não podemos afirmar que a religiosidade não é um fator muito importante para nossa evolução espiritual. A religião pode muitas vezes levar ao “bitolamento” e estagnação do indivíduo. Entretanto, quando buscamos a ação na religiosidade, o movimento nos faz mover no sentido cósmico da evolução psicoespiritual. Não é tanto o que nossos pais dizem o que determina nossa visão de mundo; é mais o mundo único que criam para nós através do seu comportamento. Se foram pais amorosos e tolerantes, acreditamos num deus amoroso e tolerante, e nossa visão adulta do mundo provavelmente será de um lugar tão agradável quanto foi nossa infância. Se nossos pais foram duros e severos, podemos amadurecer com uma concepção de um deus monstro, cruel e vingativo. E se eles não mostraram nenhum afeto por nós, podemos achar que o mundo é igualmente desinteressado.

O fato de a nossa religião ou visão de mundo ser determinada, de início, principalmente pelas experiências de nossa infância, nos leva a outro problema central: a relação entre religião e religiosidade (realidade). É a questão da visão passiva e ativa de mundo dentro de cada um sendo externalizada através de nossas ações. É que a maioria de nós opera a partir de um paradigma mais estreito do que somos capazes, deixando de transcender a influência sobre nosso entendimento da nossa cultura específica, de nossos pais e das experiências infantis particulares. Não é de se espantar, portanto, que o mundo humano seja tão cheio de conflitos. Quando Sigmund Freud afirmou que a religião não passa de uma neurose coletiva, creio eu que ele não se enganou quando disse que nos deixamos ser dirigidos por ela e nos tornamos estáticos e submissos às regras impostas a qualquer preço. Entretanto, quando despertamos através de uma visão crítica de mundo para uma religião dinâmica e evolutiva, adentramos na religiosidade.

Finalmente, podemos afirmar que o crescimento espiritual é uma jornada para além da religião, rumo à religiosidade, de amplitude cada vez maior. Para despertar de dentre os mortos (como sugere Jesus), é necessário que nos libertemos da religião estática e ortodoxa para uma religiosidade de movimento, rumo ao ser em plenitude, em que a saúde mental e crescimento espiritual precisam desenvolver nossa própria religiosidade, e não nos apoiarmos na religião de nossos pais desde a infância.

José Geraldo Rabelo é psicoterapeuta, psicólogo, filósofo, escritor e palestrante

Disponível em: http://www.dm.com.br/materias/show/t/religio_e_religiosidade_


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